sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Acorda

O romance só existe nos filmes a preto e branco, e naqueles livros velhinhos encadernados a pele com letras douradas e dedicatórias na primeira página.

segunda-feira, 7 de março de 2011

fascina


06.mar.2011

O silêncio era tanto que se ouvia o papel a queimar. A noite estava fresca, mas não demais. Ou então era a solidão. Qual mulher-a-dias a pausa acabou, ao acabar o papel. Então recomecei. E pensar na praia, e no mar, e nas bocas para alimentar. Quem em dera estar só, em vez de apenas o sentir. Vou fazer mais um café, mas desta vez Irlandês.

insonia


Jan.2011

Ficava claro quando me deitei, sozinha.
Tentei adormecer, correndo contra o sol,
Mas ele nasceu primeiro que eu.

terça-feira, 1 de março de 2011

Ar


A viajem hoje demorou três dias, em vez das duas horas habituais. Faltou-me o ar. Carregada a cabeça faltou-me o ar. Carregada de mágoa faltou-me o ar. Carregada de livros. Os passos pesados arrastei-os. Arrastei-os por três dias que duraram três semanas. Faltou-me o ar, e sem fôlego subi o mesmo degrau durante três semanas. Quando cheguei ao topo tinham passado anos. Não tinha ar, nem pernas, e os livros que tinha carregado até ali tinham-se desfeito. Só a mágoa permanecia, e a cabeça carregada estava afinal cheia de medo.



01.mar.2011
09h00

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Crazy Country Song


Dei por mim abraçada aos joelhos a balouçar, como os malucos. Na cabeça passava, em loop, um trecho de música country, que não sei onde fui buscar. A madeira do soalho fazia linhas curvas concorrentes que pareciam dançar, ou atacarem-se ferozmente numa batalha pelo m2. Vi-a de perto, à batalha. Ganhou a infantaria da zona nordeste. Começou a ficar frio. Tinha três casacos à minha volta. Os pés despidos de meias gelavam. Perguntei-me se se partiriam se lhes tocasse. Não se partiram. Lá em baixo vozes discutiam o telejornal. O cinto apertava-me a barriga, demasiado, era já desconfortável, mas se me mexesse ficava com mais frio. Então aguentei. Não era a primeira vez que chorava nesse dia. Decidi mudar de roupa, mas não me mexi. Abanei-me mais depressa. Talvez me aquecesse. Talvez soe louco mas sabe bem. Passara uma hora. Era hora de jantar. O jantar seria decerto peixe cozido, como o é sempre na pior altura. Estava cada vez mais frio. Abanava-me mais devagar. A música country tinha dado lugar ao toque do telemóvel. Era pelo menos mais agradável. Já não me conseguia lembrar como era a outra. Tentei, mas não consegui. Estava cansada. Tão cansada. E aquele maldito toque não me deixava em paz. Tocava incessantemente há já tanto tempo. Mas se me mexesse ficava com mais frio. Começou por fim a diminuir, gradualmente, enquanto gradualmente parei de abanar. Estava feliz por não ter de comer peixe cozido ao jantar. 



17.out.2010
20h30

quinta-feira, 27 de maio de 2010

A hipótese mais simples é normalmente a mais viável

  Há quem tenha um olho de cada cor: um verde e um castanho, um castanho e um azul, um verde e um cinzento, um azul e um de vidro... Jim Stevens tinha uma orelha de cada cor. E nenhuma que combinasse com o seu tom de pele. Uma era púrpura e a outra cor de mostarda. Tinha sido assim desde sempre, desde que se lembrava, pelo menos. Em criança era gozado por todas as outras crianças, e inclusivé alguns adultos: " Eh eh, olha...hm, olha... o miudo que tem uma orelha púrpura e outra cor de mostarda!" - ao que Stevens não conseguia deixar de responder na sua cabeça: "Está bem, e agora? Queres uma bolacha?".
  Porém tudo mudou quando entrou para a universidade. Era simplesmente excêntrico. Houve até uma altura em que se tornou moda, e toda a gente no campus queria ter as orelhas às cores. Acabou por ser proibida pela reitoria (em vão), já que os estudantes tentavam tingir as cartilagens com os líquidos coloridos do laboratório de química, alegando que a única alternativa eram os lápis de cera, e que esses não duravam mais de 2h. Houve mesmo um aluno particularmente dotado, Ron Johnson, que tentou imprimir a cor desejada nos abanicos laterais da sua cabeça. Literalmente. Ron, sem que o professor de física avançada o consiga ainda hoje explicar, arranjou forma de enfiar o crânio na impressora da biblioteca. Um erro no cálculo do ângulo de inserção fez com que não as orelhas mas os dentes de Ron fossem impressos de um, pouco agradável, cinza azulado (a sua sensibilidade para as cores também não era a melhor). No campus o acontecimento foi marcado de grandes festejos, gargalhadas e garrafas sem carica. Porém, receando sermões e punições paternais, Ron catapultou em trambolhões sonoros que se tratava de escurbuto, e acabou por ser internado num centro de reabilitação para marinheiros, nos dois semestres seguintes.
  Enquanto isto, Jim era o centro das atenções, conseguia manter o que todos os outros nem conseguiam atingir. Tinha filas de raparigas à porta do seu dormitório, todos queriam conhecer o Jim Stevens. Ia a todas as festas, comia e bebia sem pagar, A universidade foi a melhor altura da sua vida. Pelo menos até a moda passar, quando apareceu um caloiro com uma t-shirt amarela. Jim passou a andar de gorro e lembrou-se que tinha um curso para fazer. Tinham passados 10 anos e chumbara a todas as cadeiras.
  Anos mais tarde não conseguia arranjar emprego. As suas orelhas eram um problema e a maior parte dos empregadores não aceitavam que usasse o seu gorro de lã grossa cor-de-laranja nas horas de expediente. Um dia, aproveitando a ida ao mecânico por caisa do seu dispensador de Pez que ficara encravado, Jim indagou se haveria resposta ao seu problema. Peter Peterson, o mecânico, levou-o para uma salinha, pequena, rectangular, totalmente branca. De repente, com um estalido, abrem-se simultaneamente pequenas janelas quadradas, negras no interior, ao longo das duas paredes laterais. Ouvem-se gritos. Altos e agudos. Cá fora Peterson sorri furtivamente enquanto passeia os dedos pelas teclas do piano imaginário que está pousado em cima da sua secretária, Miss Taylor, uma jovem tímida e atraente, mas não demasiado. Alguns minutos depois os gritos param. Instala-se um silêncio mórbido. Perterson levanta-se, fecha a tampa do piano imaginário e dirige-se à sala. Ao projectar a mão em direcção à maçaneta esta roda, Peterson dá um passo atrás. A porta começa a entreabrir-se mostrando uma linha de luz branca, intensa, que vai aumentando. Peterson recua lentamente, enquanto lentamente a porta se abre. Ergue o olhar e eis que sata diante dele um Jim Stevens sorridente de olhos esbugalhados. Projecta-se sobre peterson e abraça-o. Este abraça-o de volta e trocam palmadas fortes nas costas um do outro, enquanto riem cada vez mais alto. Jim está livre do seu problema. As suas orelhas não são mais de cores diferentes que não combinam com o seu tom de pele. Agora o lado esquerdo de Jim é todo ele completamente púrpura e o lado direito completamente cor de mostarda. As suas orelhas não voltarão a ser um problema.
  Radiante, Jim Stevens agradece a Peterson, paga-lhe o devido e este devolve-lhe a factura. Quanto ao dispensador de Pez, foi inevitavelmente para a sucata, não tinha arranjo.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Na dúvida vire à direta

 John Doe estava em frente ao espelho a praticar expressões. Há mais de duas horas, agora que penso nisso. Era o aniversário da sua mãe, Jane Doe, com quem mantinha uma relação conflituosa, talvez por esta o ter deixado sozinho no supermercado em criança, durante três semanas, alegando que se esquecera de um estufado de peixe-balão ao lume, e que só o tinha conseguido largar quando chegou à combinação perfeita de condimentos e ervas selvagens (a mesma que usava a sua bizavó Hanna Doe, mas que Jane nunca chegara a provar). Ou, por outro lado, poderia ser o facto de sabotar todas as relações de John, afirmando que este possuia um variado número de doenças venéreas.
- Elas não são suficientemente boas para ti meu filho! Nunca nenhuma será suficientemente boa para ti... Queres uma maçã?
Como se Jane se preocupasse minimamente com ele...
  E alí estava, a viver na casa dos 40, com uma renda demasiado alta, devo dizer, a praticar expressões em frente ao espelho há três horas. Dava tudo para não ter de ir à idiótica festa de aniversário onde nem a mãe, nem a familia ou o resto dos convidados nutriam o mínimo afecto por ele. De facto, a sa presença parecia sempre originar uma onda de limpezas de garganta e estrabismo, para não falar do sarcasmo insultuosamente gratuito. Como se o seu emprego como estafeta na pizzaria local tivesse piada. Ou como se a sua bicicleta e farda vermelha e amarela, com boné a condizer, fosse algo de absurdamente hilariante.
- Está a ficar tarde, é melhor ir-me vestir... Mas talvez fique mais um pouco, o meu riso indiferente e auto-confiante ainda precisa de uns retoques... Ah e ainda não treinei os dois beijinhos de parabéns, o sorriso parvo e a voz melosa para a mãe... e tem de parecer real... Vou chegar atrazado, o que significa que preciso de praticar o discurso rotineiro e estou-me-nas-tintas para quando todos os olhos da sala se precipitarem sobre as minhas sobrancelhas, como grifos à carcaça de carneiro putrefacta e parcialmente mutilada.
(toca a campainha)
 John destranca a porta e entreabre-a. Um homem baixo, com o corpo tão redondo quanto a sua cabeça careca, erguia-se à sua porta, vestido com um macacão em tempos azul-ultramarino. Segurava a seu lado várias paletes empilhadas numa daquelas estruturas de metal com duas rodas. O estampado branco no bolso direito do peito denunciava-lhe a identidade: Ray.
- Bom dia, é para reabastecer a vending machine.
- Ah, sim, bom dia hum... Ray, que aconteceu ao Edmund?
- Está de baixa, partiu uma perna durante uma entrega de rolos de polvo vivo, os tentáculos do bicho enrolaram-se-lhe à volta e o pobre coitado caiu com o nariz direito no chão.
- Mas... pensei que tivesse partido a perna...
- Sim, isso foi depois, quando os paramédicos pousaram os "Jaws of life" em cima dele.
- Chato...
- Sim...
- Bem, é por aqui...
 Ray leva a mão ao bolso e abre a vending machine com a sua chave mestra. Começa então a repôr o stock: rolos de salmão, camarão, atum, vegetarianos, com ou sem ovas, bolos de arroz... John espreita curioso.
- Vai demorar? é que já estou atrazado...
- Não não, mais uns minutos. Não o roubo dos seus compromissos...
- Optimo. Se bem que parte de mim espera que ocorra um qualquer erro técnico impossivel de resolver em menos de 24h, que me obrigue a ficar por aqui...
- Ah, percebo-o bem.
- Nunca tinha reparado como é espaçoso isto lá dentro...
- E nem lhe ocupa muito espaço na cozinha...
- Hm, ouça, Ray... Quando é a sua próxima ronda por estes lados?
- Quinta-feira.
- Hm, isso são seis dias... Ray, gostava de lhe pedir um favor... Não feche a porta, acho que vou refrescar as ideias.
- Com certeza, desde que possa ficar com os trocos da recolha.
- Não o faria de outra forma.
- Mas, amigo, não me vai convidar a entrar?
- Ah, claro que sim, esteja à vontade! Onde deixei as minhas maneiras...? Talvez no porta-luvas... Mas diga-me, que pensa da teoria Kantiana da faculdade do juizo?
- Ah, vejo que sabe receber os seus convidados... Bem, para começar acho que depende dos olhos, inteiramente dos olhos...
- Bem apontado! Dos olhos e de onde vêm agarrados, se bem que por vezes parece que é a um pedaço de humus.
E então ficaram os dois dentro da vending machine de sushi, argumentando alegremente até quinta-feira, altura em que alegaram uma confusão no atrazo da hora para se safarem das acusações judiciais.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

comprar: roupão turco

Tenho grande parte das minhas ideias enquanto tomo banho. Perco-me no chuveiro, e às vezes quando dou conta já estou em Moscavide. Não deixa de ser chato perceber-se que se está de toalha no meio de prédios verde-mato com estofos em pele. O mais complicado é regressar. Nunca pensei ser tão difícil apanha um táxi com espuma no cabelo. Tamanho preconceito. Só os camionistas são compreensivos, e as velhinhas com cataratas, ainda que a maior parte das vezes me deixem no sítio errado. Ah, e os didtribuidores de alicates ao domicílio. Impecáveis. O único problema é ser muito demorado, há muitas chamadas de emergência. São muitas paragens e zig-zags até me deixarem em casa.
Quando chego finalmente percebo que não sei que dia é, não sei quanto tempo estive fora, se tinha compromissos, se me despediram, se me despejaram, se deixei morrer o meu cão, se me declararam o óbito... Entro em neurose, falta-se-me o fôlego. Então pra me acalmar decido tomar um banho.

29.abr.10'

segunda-feira, 26 de abril de 2010

maracujá

Vinhamos no escuro,
de vidro entreaberto.
De repente cheirou-nos a gomas de coca-cola.
Então parámos,
para as deixar atravessar.
E enquanto esperávamos fizemos planos para a semana passada,
que o futuro já está todo ocupado.
Distraímo-nos e quando acordámos tinham passado dois dias,
e já só cheirava a maracujá.


23.abr.10'
02h54

o tempo, ou a roda

O tempo cada vez passa mais depressa.
Ou somos nós que vamos ficando mais tolos.
Seja como for, a roda não pára pra ninguém.
Nem pra mim, nem pra ti.
Bem, talvez pra ti, que tens os ombros mais largos.


18.abr.10'

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

o jogo

Perdi o jogo,
porque não estive aqui.
Perdi o jogo por ti,
e a certa altura deixei de ver
(só falava em ver)
Continuei enquanto de longe querias saber.
Tentaste e por vezes cedia.
Falei-te do jogo e dos olhos.
Negaste. Foi então que partimos,
depois de me apanhares a vista do chão.
Guardei-a no bolso.


02h23       
19.fev.10

palavras

Escrevo no meio das palavras. Por todo o lado, disparadas pelo ar, velozes e descontroladas. Por toda a parte, não posso escapar. Quem as pára? Quem as cessa? Palavras afiadas contra o ar erráticas, sem dono nem destino. Bem, dono devem ter, alguém as pensou, e disparou, agora destino... Vão por aí, sem saber onde parar, até alguém as agarrar, ou esbarrar nelas. Ou até alguém ser aingido mortalmente e cair redondo no chão. E a palavra que o atingiu? Morre com ele? Ou atira-se à primeira pessoa que se aproximar? Bem, para prevenir, mais vale não nos aproximarmos de pessoas caídas no chão com palavras espetadas no estômago...

11.fev.10

corrida

acordeões
agudos
aguçados
esmigalhados
perturbados
perturbantes
indiferentes
precistentes
perseguidos
embebidos
enforcados
enfeitados
apagados
aguçados
agudos
acordeões.

11.fev.10

Ninguém

Murmuram por todo o lado,
uns para o outros,
ou para ninguém.
Não se entendem, mas fingem,
porque fica bem.
E olham, e riem, e mentem.
E riem, e morrem, por dentro.
Fingem porque não são nada,
e se não são nada não existem.
São ninguém. Mas fingem, porque fica bem.
O nada que mente e finge existir.
Mas nem sabe mentir.


11.fev.10

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

triste

Era triste porque não tinha sapatos,
até que descobri que não tinha pés.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Eu não sei

O que é que eles querem??
O que é que eu faço??
Diz-me qualquer coisa!!
Não sei!

O que é que eles querem?
Eu não sei!!
O que é que eles querem?
Eu não sei!
Eu não sei!!
Diz-me qualquer coisa.

O que é que eu faço?
O que é que eles querem?

O que é que eles querem??
Eu não sei!
O que é que eles querem?
Eu não sei.
Eu não sei.

Diz-me qualquer coisa!
Diz-me qualquer coisa...

O que é que eu faço?
O que é que eles querem?
O que é que eu faço...
Eu não sei...

domingo, 18 de outubro de 2009

aos agnósticos

deus é amor e um pastel de nata.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

tipos de narrador

Estava deitada, passava das onze, dia de semana.
Sentada na cama, com a roupa a cobrir-me as pernas despidas pelos calções do pijama, ainda de verão, acompanhava-me um livro de Stephen King. Encontros sociais, fanatismos e vestidos vermelhos, pág. 116.
Intervalava os parágrafos com uma infusão de frutos vermelhos, servida numa caneca com coelhos agricultores de óculos de sol a desejar uma páscoa feliz. Tinha-o preparado momentos antes. A caneca, sentada ao meu lado, exibia um (des)equilibrio notável, que sugeria um diluvio cor-de-rosa eminente. Não a mudei, ficava longe.
Esvaziei prontamente a caneca antes que se entronasse nos lençóis azul-claro, com flores bordadas a azul mais escuro e branco, de vez em quando. Contrasta com a colcha roxa. Aí não fazia mal entornar. Pena não haver mais.
(tenho mais na cozinha...)
(é longe, há escadas)
(comodista)
(podia ser pior...)
Longo silêncio virado para a parede norte.
Dei por mim a pensar na vida. Nas pessoas, e nos seus animais de estimação.
(metafóricos! pobres dos bichos...)
E nalguns casos nos seus chapéus. E antes de voltar ao livro, conclui pra ninguém:
Há os omniscientes, os omnipresentes, os omnipotentes e os omniparvos.
(porque é que não me ensinaram isto na escola?)

domingo, 20 de setembro de 2009

o homem

Ódio, pena, tristes.
Embaraço, fingidos.
Horas, atrás,
já não.
Embaraço, mas depressa!
Raiva, não o foi, farta.
Ego, cegueira, tristes.
Vergonha, dentro cheio,
tristes, ficção, já!
Tentar, mas não tenho,
não antes, cobarde.
Triste combate.
Triste pensa.
Cái cedo, de lado,
demasiado, ego, olha.
Cegos, fúteis, pena.
Raiva, pena.
Pena.

-Mamã, o mundo foi mau pra mim!
-Dá-lhe nos cornos meu anjo, dá-lhe nos cornos.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

todos os poemas podem ser de amor.

sábado, 7 de março de 2009

poema

Escrevo porque te leio,
Porque não (me) sei ler...
Em ti me vejo o ser
E então escrevo-te,
Porque me lês.

domingo, 1 de março de 2009

conversa

ela: o pôr do sol está tão lindo...
ele: sou eu a pensar em ti.

sábado, 10 de janeiro de 2009

manhã cansada

Estavas linda esta manhã.
A névoa que te cobria a nuca,
beijava-te a alma e espelhava-te os olhos.
Ao longe, fim de azul,
estava eu, correndo,
num pêndulo de aço.
A luz do quase dia envolvia-te,
tornando quente o gelo do teu corpo.
Estavas linda.
Semicerrado olhei-te,
e guardei-te para mim.
Estavas linda.
Estavas linda Lisboa.

sábado, 12 de julho de 2008

Média-Rés

Deixa-me, por favor,
Remar nesta tempestade.
Quero sentir o que é
Andar sobre este nevoeiro,
Que torna a mais acidentada
Das cidades
Numa planície calma e sonolenta.

Daqui do alto vejo apenas cinza.
Entre a chuva gelada que me cai na face
Quente,
Consigo sentir a névoa a trespassar-me suavemente.
Caminho sobre...
Abraçado por...
O horizonte é...
Cinza,
Cinza,
Cinza.

Já que não faço... ninguém
Sentir nada,
Ao menos que eu
Cinza.

#4

Palavras para quê
quando bem lá no fundo
não se sabe o porquê
de todo este mundo.
Mesmo quando se vê
o mais belo e profundo
não se sabe ao certo
se é mar ou deserto.

sábado, 28 de junho de 2008

Polvo pt.2 - Anémonas que bailam jazz

Sobre os olhos semi-serrados de 3 horas de sono
Dançam na chávena de café alforrecas coloridas.
(uma entrou-me pelo nariz, era cor-de-rosas-murchas)
Janelas de vapor negro deixam ouvir
O cheiro a jornal pela manhã.
Dói-me a vista.
Deixa-me dormir...

número 3

Pouco me importa o mundo,
se gira ou não,
não tem ele a razão de tudo,
nem de ninguém,
pois razão não a tem.

sábado, 21 de junho de 2008

Pânico no salão de chá?

Uma miúda de cabelo branco apaga
a sua beata negra num chapéu
de cuco cheio de flores de cerejeira
daquelas á japonesa
Duas guitarras soam
duas guitarras só
duas guitarras soam estridentemente
Um dragão de fumo verde sai
do chapéu a dançar feliz e contente,
cordas partem-se e cortam de leve
os dedos, doce carícia esta que nos faz
bailar.
Duas guitarras soam
duas guitarras só
duas guitarras soam estridentemente
sós.

P.S.: a pontuação é propositadamente assim.

sapatos de cordel

Meu relógio parou.
Ou então fui eu.
Já não sei.

Os sapatos de cordel
que me aquecem as meias
ficaram em casa.

Está noite, e tenho saudades.
Saudades das quatro paredes
que me cobrem a nuca,
e me embalam o amanhecer.


(29 de Novembro de 2008)

sábado, 14 de junho de 2008

Um polvo na minha chavena de chá

Em slow motion: O aroma a pimenta paira
Sobre a grafonola
Tentando imaginar-se uma coisa densa e púrpura.

O amarelo forte das nuvens desenha-se
(Enquanto o tempo não passa)
Na escotilha por de trás do televisor:
“Lebres com corpo de gente
A preto e branco na banheira.”

Barcos de fósforos, perfumados,
Ironizam a sua impotência
Deixando-se cair no fundo do horizonte:
“Tenho um polvo na minha
Chávena de chá!”

Une lettre pour mon Amour

Assim que te foste choveu. E choveu por três dias.
Não levaste o que é teu, nem deixaste o que me pertence.
Só deixaste a chuva, que por três dias choveu.
Também deixaste a saudade, a que deixas sempre que te vais.
A que trazes, sempre que vens, para me deixar.
Deixaste-me a saudade e a chuva. A chuva que por três dias choveu sobre a nuca da saudade, deprotegida. Encharcou-a.
Pingando, a saudade murmura. Porque chove assim? Porque deixaste a chuva em vez de ti?
Porque não podes chover tu por três dias? Cair sobre mim, cair em mim... chover.
Foste. Foste, porque vais sempre, sem me deixar a tua chuva.
A tua.
Só queria que chovesses, sobre a minha nuca, desprotegida.
Vem, Amor, vem chover.
Vem cair em mim.


(19 de Abril de 2008)